13 de outubro de 2010

Voz, ópera, aplausos e o trabalho do encenador

Quero dividir com vocês esses quatro assuntos, mas antes... exercícios de imaginação...

Imaginem uma ópera em que uma determinada cena inicie com a entrada do coro e, em seguida, entra a soprano (a diva), que faz o seu solo. O coro intervém de vez em quando, mas no momento em que começa sua ária famosa, todos param para contemplar... não a personagem, mas a performance da soprano. O público, que ficou paciente por mais de uma hora esperando “aquele momento”, aguarda ansioso para aplaudir e gritar "bra-vô", cai em êxtase!!
Durante toda a ópera tanto o coro quanto os solistas ficaram quase imóveis, como se estivessem numa vitrine. A luz pouco mudou, os cenários, grandiosos, não “conversam” com os figurinos... mas no final o público, um pouco cansado diga-se de passagem, levanta-se e aplaude (em pé), esperando a entrada da tal diva que, num gesto teatral (bem maior do que ela fez na ópera inteira, por sinal), agradece aos urros da platéia.
Imaginem que, nesta ópera, toda a direção de arte foi equivocada, a ponto de entediar o público, a orquestra esteve muito forte, o coro raramente se movimentando e quando o fez, dirigia-se para direita e esquerda, sem intenções, sem expressividade. Os solistas tampouco se deram ao trabalho de mergulhar no personagem, já que se trata de uma ópera famosa e o público, afinal, não está tão interessado em ver cena, mas em ouvir o tenor ou a soprano chegarem ao famigerado “dó” e sustentá-lo, como numa performance olímpica. E no final eles serão mais aplaudidos do que nunca, afinal de contas, a música, o compositor... tudo está em função do “dó”.
Imaginem, agora, o diretor cênico dizendo que fez questão de não influir demais com suas ideias, tanto para o coro e principalmente para os solistas sobretudo porque, afinal de contas, seus corpos têm de ficar “relaxados” para a performance vocal, “nesta hora”, diz o diretor, “temos de deixar o solista em paz”. E é assim que se faz ópera...
É assim coisa nenhuma!!

Em primeiro lugar, ópera é teatro. A única diferença é que a palavra é cantada. Sendo assim, surge a pergunta: o que é teatro? Existem centenas de diretores e pesquisadores que tentam responder a essa pergunta, mas vamos nos ater a dois deles, bastante importantes: Stanislavsky e Meyerhold.
Ambos buscaram, cada um a sua maneira, definir o teatro. Curiosamente ambos chegaram à mesma conclusão: o teatro é feito pelo ator, pelo corpo do ator. Todo o resto são ferramentas para a expressão da ação corporal. O teatro ocidental sustentou-se demais na palavra, mas esses diretores, como outros, influenciados pelo teatro oriental, perceberam que a palavra é ferramenta.
É importante colocar que, para ambos, o laboratório para esses estudos foi a ÓPERA!!! Sim, eles dirigiram várias montagens operísticas de diferentes estilos e épocas para fazerem seus experimentos. O motivo principal do uso da ópera como laboratório é que nela o tempo é inconstante e fora da realidade. Uma cena que com a palavra poderia durar segundos, com a música pode durar minutos, uma excelente experiência para o ator.
Depois de vermos isso eu pergunto: por que os diretores de ópera ainda insistem no estático? Teatro é movimento, no tempo e espaço - ópera é teatro, portanto...
Na Europa isso já vem mudando há algum tempo, montagens operísticas memoráveis de grandes diretores de teatro, têm mostrado isso.
Nós no NUO seguimos essa diretriz a risca, mas infelizmente cada vez mais percebo que estamos praticamente sozinhos pensando sobre isso na ópera no Brasil. Diversos devem ser os motivos que, muitas vezes, independem das vontades de artistas e diretores. E “taca” ópera com gente parada... Arhg!!!!

O trabalho do encenador é fazer o máximo para que o autor e a obra estejam acima de tudo, é ajudar o ator a deixar seu ego de lado, é deixar o seu próprio ego de lado, tudo sempre pelo espetáculo. Essa a é função e obrigação do encenador... sempre respeitando a obra, o autor e o público.
Daí nós voltamos ao início deste texto. O público vê uma montagem entediante como a descrita e aplaude... em pé. Houve tempo em que aplaudir em pé era coisa rara de acontecer...eram momentos em que a platéia tinha de mostrar que gostou MUITO do espetáculo. Aplaudir em pé era a expressão do êxtase. Houve tempo em que se a platéia não gostava simplesmente não aplaudia ou, em raros casos, vaiava... às vezes muitos consideravam, essa platéia cruel , mas para o performer era essencial. Porque muitas vezes a vaia era uma reação importante, esperada até mesmo pelos artistas - a expressão pura daquilo que foi eliciado pela obra e não necessariamente a expressão do fracasso da montagem.

Hoje confesso que, como performer e encenador, perdi um pouco a referência sobre o gosto do público... por que eles sempre ficam em pé no final para qualquer coisa que aconteça no palco? Como se fosse falta de educação ficar sentado. No mês passado vi dois espetáculos, um ruim o outro maravilhoso... o público reagiu igual: levantou- aplaudiu- gritou bravo.
O pior é que vejo muitas vezes pessoas que têm experiência teatral sentadas na platéia fazendo a mesma coisa após ver um espetáculo ruim: levantam - aplaudem – gritam bravo. E na saída comentam sobre “como foi ruim”... como assim?
Queria compartilhar isso com vocês. Realmente estou confuso... será que estamos tão carentes de espetáculos assim? Ou será que instituíram regras de etiqueta de como a platéia deve aplaudir e eu não sabia?
E “taca” ópera com gente parada... Arhg!!!!
Levanta- aplaude- grita bravo... mas isso foi para a soprano... ah é, esqueci que a diva está acima de todo resto, que bobagem a minha.

http://www.youtube.com/watch?v=bTvKk8uAWN0&feature=related
Vale assistir este trecho de Eva-Maria Westbroek e Christopher Ventris na montagem de Lady MacBeth of Mtsensk, de Dimitri Shostakovich, com a Royal Concertgebouw Orchestra,  Regente Mariss Jansons, direção de Martin Kusej - coro e solistas fazendo de tudo pela maravilhosa obra de Shostakovich

Um comentário:

  1. Bom saber que ainda existem "chatos" como eu na platéia...

    Sou a favor de não aplaudir quando a pessoa não acha uma apresentação (de qualquer tipo) boa mas vaiar quando ela acha ruim eu sou contra. A vaia é uma manifestação muito brutal, o extremo oposto do "bravo". Devemos sempre expressar nossos bons sentimentos e controlar os ruins.

    Uma critica feita pessoalmente ou por escrito, controlada e consciente, tem um valor muito maior para a pessoa alvo do que uma simples vaia. Enquanto na primeira a mensagem é: "Você fez quase tudo errado, esses são seus erros, se esforce para melhorar" a outra é: "Você fez tudo errado, desista e suicide-se para o mundo se tornar um lugar melhor".

    Sempre achei ruim esse delírio pelos solos, afinal, fazem parte do todo que é a apresentação e devem ser tratados assim.

    ResponderExcluir